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Dia de S\u00e3o Jo\u00e3o, 24 de junho, o mais festejado santo cat\u00f3lico entre n\u00f3s, faz parte de um conjunto de festas denominadas juninas. As festas juninas brasileiras inserem-se num longo processo iniciado com a cristianiza\u00e7\u00e3o de ritos imemoriais que celebravam o solst\u00edcio de ver\u00e3o na Europa e no Oriente M\u00e9dio. Pouco antes que o cristianismo se tornasse a religi\u00e3o imperial, o Conc\u00edlio de Niceia ajustou o calend\u00e1rio lunar judaico e o calend\u00e1rio solar romano (325). Como a mem\u00f3ria da ressurrei\u00e7\u00e3o do Cristo ficou ancorada no calend\u00e1rio lunar, um bloco de festas m\u00f3veis (Carnaval, Semana Santa, Pentecostes e Corpus Christi) acompanha o movimento pendular do domingo da P\u00e1scoa, que oscila entre duas datas fixas extremas \u2013 22 de mar\u00e7o a 25 de abril. Dessa forma, a P\u00e1scoa foi inserida na esta\u00e7\u00e3o da primavera enquanto o Natal e o S\u00e3o Jo\u00e3o cristianizaram os ritos tradicionais dos solst\u00edcios de inverno e ver\u00e3o do hemisf\u00e9rio norte.<\/p>

Depois que se ergueu uma bas\u00edlica sobre o t\u00famulo de S\u00e3o Pedro no Vaticano, local privilegiado do culto solar, o Natal crist\u00e3o passou a concorrer desde o ano 354 com as celebra\u00e7\u00f5es do Sol Invicto e de Mitra nas cidades romanas. \u00c9 dos anos 360 o batist\u00e9rio de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista em Poitiers, talvez o mais antigo edif\u00edcio crist\u00e3o da G\u00e1lia. Santo Ambr\u00f3sio teria enviado de Mil\u00e3o para Rouen rel\u00edquias de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista em 393. O bispo Perpetuus instituiu em Tours, na d\u00e9cada de 460, a comemora\u00e7\u00e3o da natividade de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista. Bento de N\u00farsia, fundador da ordem dos beneditinos, ergueu no mosteiro de Monte Cassino um orat\u00f3rio a S\u00e3o Jo\u00e3o Batista sobre as ru\u00ednas de um templo de J\u00fapiter e foi ali sepultado. Greg\u00f3rio, o Grande, primeiro papa beneditino, celebrou a paz entre lombardos e bizantinos no dia de S\u00e3o Jo\u00e3o, padroeiro dos lombardos, em 590. Na Ib\u00e9ria, o rei visigodo Recesvinto dedicou uma ermida a S\u00e3o Jo\u00e3o numa esta\u00e7\u00e3o termal do rio Pisuerga em 661. Apesar das iniciativas do clero e da aristocracia, um dos serm\u00f5es de Santo El\u00f3i contra o paganismo mostra que o solst\u00edcio de ver\u00e3o continuava sendo celebrado com dan\u00e7as alegres ao redor do fogo em meados do s\u00e9culo VII.<\/p>

4ebe364ee2914b90968c042c7d7d1609_sojooA devo\u00e7\u00e3o ao santo ganhou maior import\u00e2ncia a partir da Aquit\u00e2nia. Segundo a lenda, o monge F\u00e9lix, guiado por um sonho, traz de Alexandria para Angoulins o cr\u00e2nio de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista em 817; Pepino da Aquit\u00e2nia cria a abadia beneditina de Saint-Jean d\u2019Ang\u00e9ly e a rel\u00edquia atrai muitos peregrinos, mas a regi\u00e3o \u00e9 assolada pelos vikings e a maioria dos monges \u00e9 massacrada. A rel\u00edquia \u00e9 milagrosamente recuperada em 1016 e a abadia reconstru\u00edda torna-se ponto de passagem da peregrina\u00e7\u00e3o a Santiago de Compostela. O papa Urbano ii a visitou em 1096 quando convocava a Primeira Cruzada. As ordens militares dos hospital\u00e1rios e templ\u00e1rios impulsionaram a devo\u00e7\u00e3o a S\u00e3o Jo\u00e3o Batista durante as cruzadas. (A famosa rel\u00edquia de Ang\u00e9ly desapareceu durante as guerras de religi\u00e3o do s\u00e9culo XVI.)<\/p>

Na pen\u00ednsula ib\u00e9rica, mouros e crist\u00e3os organizavam luxuosos torneios equestres (origem das cavalhadas atuais) no solst\u00edcio. Na Reconquista de 1492, os reis cat\u00f3licos Fernando e Isabel entraram solenemente em Granada no dia de S\u00e3o Jo\u00e3o e consagraram uma mesquita ao santo. Os restos mortais do casal foram depositados por Carlos V na capela real de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista e S\u00e3o Jo\u00e3o Evangelista junto a muitas rel\u00edquias, entre as quais o bra\u00e7o direito e uma mecha dos cabelos de S\u00e3o Jo\u00e3o Batista. Al\u00e9m das disputas entre crist\u00e3os e mouriscos n as cavalhadas e touradas, os aquelarres (campo do bode; por extens\u00e3o, lugar de reuni\u00e3o das bruxas) das bruxas perseguidas pela Inquisi\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m eram t\u00edpicos do S\u00e3o Jo\u00e3o ib\u00e9rico.<\/p>

S\u00e3o Jo\u00e3o era festejado com entusiasmo nas aldeias jesu\u00edticas no Brasil, provavelmente porque as fogueiras e tochas acesas pelos mission\u00e1rios provocavam grande efeito sobre os ind\u00edgenas. Embora a festa tenha absorvido elementos das culturas \u00edndias e, mais tarde, africanas, a hegemonia da tradi\u00e7\u00e3o europeia e portuguesa \u00e9 evidente. Os instrumentos de m\u00fasica, os hinos e os passos de dan\u00e7a eram ensinados por irm\u00e3os leigos das ordens religiosas, recrutados entre camponeses e artes\u00e3os na Europa. Assim, ritos imemoriais que persistiam nas festas quinhentistas portuguesas foram trazidos \u00e0 col\u00f4nia como elementos normais da cultura crist\u00e3.<\/p>

DICIONARIO_DE_DATAS_DO_BRASIL_1Como a festa coincidia com a \u00e9poca de colheita do milho e de prepara\u00e7\u00e3o dos novos plantios, as fogueiras de S\u00e3o Jo\u00e3o dialogavam com as pr\u00e1ticas rituais ind\u00edgenas ligadas \u00e0 coivara. Por outro lado, a enorme escassez de mulheres brancas na col\u00f4nia portuguesa justificou, segundo o soci\u00f3logo Gilberto Freyre, grande toler\u00e2ncia diante das rela\u00e7\u00f5es entre os brancos e as mulheres \u00edndias, negras e mesti\u00e7as; da\u00ed a enorme popularidade adquirida pelos cultos prestados a entidades como S\u00e3o Jo\u00e3o, Santo Ant\u00f4nio e S\u00e3o Gon\u00e7alo que aproximavam os dois sexos e protegiam a maternidade.<\/p>

As fogueiras de S\u00e3o Jo\u00e3o tinham ainda um papel fundamental na complementa\u00e7\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es familiares por meio da institui\u00e7\u00e3o do compadrio que estreitava os la\u00e7os entre vizinhos e entre diferentes grupos de status. Tal como no sacramento do batismo, os \u201ccompadres de fogueira\u201d assumiam compromissos de ajuda em caso de aus\u00eancia ou morte, de coopera\u00e7\u00e3o nos trabalhos da ro\u00e7a e mesmo, eventualmente, em assuntos de pol\u00edtica.<\/p>

A centralidade da rela\u00e7\u00e3o entre as festas de S\u00e3o Jo\u00e3o e o casamento, a fam\u00edlia e o parentesco aparece num incidente emblem\u00e1tico. Quatro anos ap\u00f3s a proclama\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica, em 28 de junho de 1893, O Ap\u00f3stolo, jornal da diocese do Rio de Janeiro, afirmava que, enquanto as festas c\u00edvicas se reduziam ao desfile militar e \u00e0 ilumina\u00e7\u00e3o dos edif\u00edcios p\u00fablicos, as festas religiosas vinham ganhando mais vigor. \u201cS\u00e3o Jo\u00e3o h\u00e1 muito nunca foi t\u00e3o festejado como agora\u201d. \u00c9 que na v\u00e9spera da festa a C\u00e2mara dos Deputados decidira suprimir a obrigatoriedade de preced\u00eancia do casamento civil perante o casamento religioso, pondo fim a incont\u00e1veis pend\u00eancias decorrentes da separa\u00e7\u00e3o entre a Igreja e o Estado. \u00c0 noite, os sinos de todas as
igrejas do Rio de Janeiro repicaram; fogos, bal\u00f5es, piano, charanga popular, o povo se esbaldara pela noite adentro erguendo vivas ao glorioso S\u00e3o Jo\u00e3o. \u201cEra, pois, \u00e0 sombra da Igreja, e pela porta da religi\u00e3o um brilhante renascimento das nossas quase perdidas alegrias nacionais\u201d.<\/p>

As festas juninas contempor\u00e2neas refor\u00e7am projetos de redefini\u00e7\u00e3o das identidades regionais dentro do \u201cpa\u00eds do Carnaval\u201d, numa \u00e9poca de pulveriza\u00e7\u00e3o dos movimentos sociais e constru\u00e7\u00e3o de novas identidades culturais, \u00e9tnicas e sexuais. Por isso, \u00e9 interessante comparar os dois principais modelos de festa junina. Tanto os concorridos forr\u00f3dromos sertanejos nordestinos como as exposi\u00e7\u00f5es pecu\u00e1rias e festas country de pe\u00e3o das regi\u00f5es de agroneg\u00f3cios emergentes demonstram sua not\u00e1vel capacidade de afirmar\/atualizar\/instituir tradi\u00e7\u00f5es.<\/p>

Por Jaime de Almeida, no livro Dicion\u00e1rio de Datas da Hist\u00f3ria do Brasil, publicado pela Editora Contexto<\/p>\t\t\t\t\t\t<\/div>\n\t\t\t\t<\/div>\n\t\t\t\t\t<\/div>\n\t\t<\/div>\n\t\t\t\t\t<\/div>\n\t\t<\/section>\n\t\t\t\t<\/div>\n\t\t","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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